Especialistas em segurança pública e na atuação do crime organizado fazem alerta para gravidade do descontrole do poder público em relação ao armazenamento de armamentos pesados, muitos usados em conflitos e guerras, e também criticam a falta de transparência a respeito de ocorrências que envolvam sumiços em armarias.



O desvio de 21 metralhadoras e de um fuzil do Arsenal de Guerra do Exército em Barueri, na Grande São Paulo, completa um ano neste sábado (7). Um levantamento feito pelo Estúdio I, da GloboNews, mostra que nos últimos 12 meses, pelo menos 50 armas foram desviadas de batalhões e depósito de forças de segurança no estado paulista e que nem metade delas foi recuperada.

Um dos casos mais recentes envolve a Guarda Civil Municipal de Cajamar (SP), cidade da Grande São Paulo. Em março deste ano, 9 pistolas e sete revólveres desapareceram da base da corporação e nenhuma arma foi encontrada até o momento (veja mais casos detalhados abaixo)

Especialistas em segurança pública e na atuação do crime organizado fazem um alerta para a gravidade do descontrole do poder público em relação ao armazenamento de armamentos pesados, muitos usados em conflitos e guerras, e também criticam a falta de transparência a respeito de ocorrências que envolvam sumiços em armarias.

"O levantamento aborda só uma parte uma parte do problema porque muitas instituições públicas nem levantam o número de armas que perderam nos últimos anos, ou se recusam a divulgar, o que é um absurdo, por estarmos tratando de bens públicos e cujo desvio traz um prejuízo enorme para a segurança pública", disse o consultor sênior do Instituto Sou da Paz Bruno Langeani.

Para pesquisador e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Roberto Uchôa, que também é policial federal e ex-policial civil pelo estado do Rio de Janeiro, o desvio de uma arma de forças de segurança causa prejuízos em diferentes esferas.

"Estamos falando de armas que não são baratas e que causam também um prejuízo absurdo para sociedade. Isso sem contar o gasto que o próprio governo vai ter para recuperar essas armas, seja através de investigação policial, seja por meio de deslocamento de efetivo, de operações, que colocam mais vidas em risco. É uma fragilidade que traz um custo enorme, que fica até difícil calcular", afirma.

Casos de desvios de armas no último ano

1. EXÉRCITO

Andamento da investigação:

Um ano após o furto, duas metralhadoras seguem desaparecidas e sem a condenação de nenhum militar acusado de envolvimento direto ou indireto no desvio. Dois cabos do Exército estão presos preventivamente porque, segundo a investigação, foram responsáveis em retirar o armamento dos depósitos e entregá-los ao crime organizado.

Eles deram baixa nas fileiras em março, um mês após serem denunciados à Justiça Militar. Já o então diretor da unidade militar, tenente-coronel Rivelino Barata de Sousa Batista, e um primeiro-tenente, réus no mesmo processo por negligência, seguem na ativa.

Outros quatro civis (apontados como traficantes e receptadores), ligados ao crime organizado, também respondem ao processo. Parte deles é ligada à facção criminosa Comando Vermelho (CV).

O Comando Militar do Sudeste afirma que após o furto "houve uma rigorosa revisão dos procedimentos e condutas de segurança em relação a áreas de custódia de armamentos e controles de acessos, visando a mitigar ocorrências envolvendo este tipo de material", e que está comprometido em apurar o caso, "apoiando a Justiça Militar naquilo que for necessário, bem como em recuperar a totalidade do armamento furtado".

2. GUARDA MUNICIPAL

Andamento da investigação:

Segundo a Secretaria Estadual da Segurança Pública, o caso é investigado pela Polícia Civil, que continua em diligências para localizar os armamentos e prender os suspeitos. Já a Prefeitura de Cajamar, responsável pela GCM, disse que uma sindicância aberta após o ocorrido para colaborar com o inquérito policial em andamento. "Reiteramos que todas as investigações pertinentes ao caso estão sob a responsabilidade da Delegacia de Polícia Civil de Cajamar e correm em segredo de justiça", diz a nota.

3. POLÍCIA MILITAR

Andamento da investigação:

A Polícia Militar instaurou um Inquérito Policial Militar para apurar as circunstâncias do fato. O IPM foi encaminhado à Justiça Militar Estadual, solicitando mais prazo para conclusão das investigações.

Impactos na segurança pública

Os desvios de armas institucionais trazem prejuízos diversos, segundo especialistas ouvidos pela reportagem, mas com o impacto mais grave na segurança pública. Para Bruno Langeani, são bens comprados para proteger da população, mas que quando desviados, a finalidade se inverte e "passam a ser ativos de promoção de crimes, de promoção de insegurança".

"Em especial às armas maiores, são armas que vão direto para o crime organizado, que é quem demanda mais esse tipo de armamento. As metralhadoras, por exemplo, são armas que vitimizam muitos policiais por causa do seu poder de fogo, mas são armas que permitem que o crime organizado faça ações graves, de grande repercussão, como domínio de cidades, assaltos a bancos, tentativa de resgate de presos e de homicídios de alvos de grandes importância, já que são armas que furam blindagem", pontua o consultor sênior do Instituto Sou da Paz.

Descontrole e falta de transparência

O pesquisador Roberto Uchôa revela uma grande dificuldade de obtenção de dados sobre o assunto e a falta de transparência do poder público sobre casos de furtos, roubos e desvios de armas. "São armas de calibre restrito, e armas que não sabemos para onde estão indo e o que estão fazendo com elas", diz.

"O desvio de unidades policiais e militares não é novidade, e a gente sempre sofreu com a falta de transparência. A Polícia Militar e a Polícia Civil sempre tiveram pouco controle de seus arsenais. Eu fui policial civil no Rio e não tinha controle, era só abrir o armário, pegar a arma e sair. Não é um problema pontual nem novo. A gente tem um problema grave de descontrole sobre os nossos arsenais públicos", completa.

Autor do livro "Armas para Quem? A busca por armas de fogo", Roberto Uchôa critica a escolha das autoridades em economizar nos processos de controle e fiscalização, seja com pessoal, seja com estrutura de controle e vigilância em depósitos e salas de delegacia. "Quando o armamento é desviado, você perde o valor da arma. E isso sem contar no cálculo de que e impossível de se fazer sobre o dano da sociedade. Estamos falando de danos de vidas e de patrimônio".

"O controle é muito frágil. O caso de Barueri [furto de 22 armas do Arsenal do Exército] mostra isso de forma evidente. Eles demoraram um mês para saber que tinha algo de errado na armaria e depois demoraram vários dias para contar quantas armas foram levadas. Isso é absurdo. Nas instituições mais modernas do mundo [as autoridades] fazem um controle mais rígido e bastante informatizado, sabendo quantas armas estão nas armarias, quais são elas, quantas saíram para serem usadas na atividade policial e militar, e conseguem fazer esse monitoramento muito próximo para prevenir esses desvios",, completa Bruno Langeani.

O Comando Militar do Sudeste afirma que após o furto "houve uma rigorosa revisão dos procedimentos e condutas de segurança em relação a áreas de custódia de armamentos e controles de acessos, visando a mitigar ocorrências envolvendo este tipo de material", e que está comprometido em apurar o caso, "apoiando a Justiça Militar naquilo que for necessário, bem como em recuperar a totalidade do armamento furtado".

Para Langeani, além dos sistemas de alarme e monitoramento, é necessário investimento e tecnologia para checagem do inventário. "Se esse procedimento de supervisão é falho, como a gente vê ainda no Brasil policiais registrando saída de armas em um livro em papel, você tem uma brecha muito maior para adulteração e desvios do controle dessas armas de fogo. São casos que têm que nos levar a pressionar os órgãos a fazer um maior controle, porque quando se falha nesse controle, quem vai pagar por isso é a sociedade, que vai sofrer com mais armas na mão do crime organizado".






Fonte: g1