Pesquisa sobre o lenacapavir foi publicada nesta quarta (24) no New England Journal of Medicine (NEJM). Ao g1, farmacêutica informou que submissão no Brasil do medicamento tido como 'esperança para o fim da Aids' está em fase de planejamento interno.



Droga, chamada comercialmente de Sunlenca, é um medicamento injetável aplicado somente duas vezes por ano. — Foto: AP via Business Wire

Droga, chamada comercialmente de Sunlenca, é um medicamento injetável aplicado somente duas vezes por ano. — Foto: AP via Business Wire

Resultados de um estudo científico publicado nesta quarta-feira (24) apontam que o antirretroviral lenacapavir da Gilead Sciences apresenta uma eficácia geral de 100% na prevenção da infecção pelo HIV-1 - responsável por quase todas as infecções de HIV no mundo.

Os dados foram divulgados na prestigiada revista científica "New England Journal of Medicine (NEJM)" e apresentados na 25ª conferência internacional sobre a Aids, que acontece em Munique, na Alemanha.

A taxa de eficácia é a mesma apresentada de forma preliminar em junho pela gigante farmacêutica norte-americana, quando foram divulgados os primeiros resultados do estudo de Fase 3, situação em que são testados os medicamentos em grandes grupos.


Segundo a publicação, que trouxe dados desse acompanhamento de mais de 2 mil mulheres cisgênero na Uganda e na África do Sul, o medicamento injetável aplicado somente duas vezes por ano se provou tão eficaz que o estudo clínico chegou a ser interrompido precocemente, já que os números superaram os critérios de interrupção pré-definidos.

Por causa disso, o Unaids, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids, também emitiu um comunicado recente afirmando que o medicamento oferece uma esperança de acelerar os esforços para acabar com a Aids como ameaça à saúde pública até 2030 - meta que faz parte da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU.

 Célula infectada por partículas do vírus HIV, anexas à superfície  — Foto: National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID)

Célula infectada por partículas do vírus HIV, anexas à superfície — Foto: National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID)


No entanto, para que isso aconteça, a agência da ONU diz que a Gilead precisará assegurar que todas as pessoas que necessitam desse medicamento (que custa cerca de US$ 40 mil por pessoa, por ano) tenham seu acesso garantido.

"Garantir o acesso global equitativo a novas tecnologias pode ajudar o mundo a se colocar no caminho para acabar com a Aids como uma ameaça à saúde pública até 2030", afirmou Winnie Byanyima, Diretora Executiva do Unaids.

Apesar de aprovado nos Estados Unidos, Europa e Canadá (como tratamento, não como prevenção ao HIV-1), o lenacapavir ainda não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Ao g1, a Gilead do Brasil informou que a submissão no país da droga, assim como em outros mercados, está "em fase de planejamento interno e, dessa forma, não é possível fornecer uma data estimada".

Chamado comercialmente de Sunlenca, o lenacapavir é visto como uma alternativa em comparação com os atuais medicamentos preventivos orais de uso padrão para a profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP).

Disponível no SUS desde 2018, esses remédios são tomados (PrEP diária e sob demanda) antes da relação sexual, o que permite ao organismo estar preparado para enfrentar um possível contato com o HIV.


No Brasil, porém, mulheres cis não podem usar a PrEP sob demanda. Estudos antigos - e bastante debatidos - mostraram que o medicamento é menos eficaz nas mucosas vaginais do que nas anais, e que o estrogênio (um hormônio sexual mais presente em mulheres) pode diminuir ainda mais essa eficácia.

Pesquisa inovadora

O estudo da Gilead provou que NENHUMA das 2.134 mulheres que recebeu o lenacapavir contraiu o HIV.

  • Em comparação, 16 das 1.068 mulheres (ou 1,5%) que tomaram entricitabina (FTC) e fumarato de tenofovir desoproxila (TDF), a combinação farmacológica da PrEP, foram infectadas.
  • Já 39 das 2.136 mulheres (1,8%) que receberam emtricitabina (FTC) e tenofovir alafenamida (TAF), um comprimido diário chamado comercialmente de Descovy, foram infectadas.

Esses dados confirmam que o lenacapavir, administrado duas vezes ao ano para prevenção do HIV, é um avanço revolucionário com um enorme potencial para a saúde pública. Se aprovado e disponibilizado de forma rápida, acessível e justa para aqueles que precisam ou desejam, essa ferramenta de longa duração pode ajudar a acelerar o progresso global na prevenção do HIV.
— Sharon Lewin, presidente da Sociedade Internacional de AIDS (IAS, na sigla em inglês), em um comunicado.

Outros estudos estão em andamento na Argentina, Brasil, México, Peru, África do Sul e Tailândia para verificar a eficácia do medicamento em homens que fazem sexo com outros homens, em pessoas trans e em usuários de drogas injetáveis.

Segundo a Gilead, uma análise preliminar desses resultados deve ser divulgada ainda este ano ou no começo de 2025.

"Esse é o melhor resultado que já tivemos sobre prevenção. É um estudo sem precedentes. A única forma que conseguimos prevenir o HIV foi com estratégias biomédicas, usando remédios como esse", explica Ricardo Diaz, infectologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que está realizando esses testes do medicamento no país.


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Entenda como funciona a pesquisa da vacina contra o HIV

Na última terça-feira (23), uma coalizão de ativistas, incluindo a Médicos Sem Fronteiras (MSF), também exigiu uma ação global imediata para quebrar o monopólio da Gilead sobre o lenacapavir. Manifestantes também protestaram no estande da farmacêutica em Munique.

A movimentação aconteceu após novos dados apresentados na 25ª Conferência Internacional sobre Aids revelarem que o lenacapavir genérico pode ser fabricado a um custo mil vezes menor do que os $42.250 (cerca de 236.000 reais na cotação atual) anuais cobrados pela Gilead.

Segundo a estimativa, com a produção em larga escala, o custo do lenacapavir genérico deve começar em $100 por ano (558 reais) e pode cair para $40 (223 reais) à medida que a demanda aumentar.


Em uma nota divulgada também na última terça, a Gilead disse que está comprometida com a inovação científica contínua para fornecer soluções para as necessidades crescentes das pessoas afetadas pelo HIV em todo o mundo e que pretende melhorar a educação, expandir o acesso e eliminar barreiras aos cuidados por meio de parcerias, colaborações e doações, com o objetivo de acabar com a epidemia de HIV globalmente.


    Números da Aids

    Em 2022, o Ministério da Saúde registrou 10.994 óbitos tendo o HIV ou Aids como causa básica, 8,5% menos do que os 12.019 óbitos registrados em 2012.

    👉 Desse total, os negros representam quase o dobro de brancos.

    • Foram 61,7% mortes entre pessoas negras, sendo 47% pardos e 14,7% pretas.
    • Os brancos representaram 35,6% do total.

    Apesar da redução, cerca de 30 pessoas morreram de Aids por dia em 2022.

    Ainda segundo dados do Ministério da Saúde, entre 2007 e junho de 2023, foram notificados 489.594 casos de infecção pelo HIV no Brasil. A maior incidência é entre homens e na faixa etária entre 25 e 39 anos.


    🎯 A estimativa é que um milhão de pessoas vivam com HIV no Brasil.

    O que é essencial saber sobre o HIV e a Aids

    A Aids é uma doença causada pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV, na sigla em inglês). Esse vírus invade e enfraquece o sistema imunológico, que protege o corpo contra doenças.

    O HIV atinge principalmente os linfócitos T CD4+. Ele modifica o DNA dessas células e se replica. Após se multiplicar, o vírus destrói os linfócitos e continua a infecção em novas células.

    Pessoas que vivem com HIV/Aids (PVHA) com carga viral indetectável têm risco zero de transmitir o vírus por via sexual. Já pessoas que vivem com HIV/Aids que não estão em tratamento ou possuem carga viral detectável podem transmitir o vírus a outras pessoas.

    A transmissão pode ocorrer por meio de relações sexuais sem proteção, pelo compartilhamento de seringas contaminadas ou de mãe para filho durante a gravidez e a amamentação, caso não sejam adotadas as medidas preventivas necessárias.

    A maneira mais eficaz de prevenir o HIV é a prevenção combinada, que utiliza várias abordagens simultâneas para atender diferentes necessidades e formas de transmissão.

    Já a PrEP é uma das principais formas de prevenção do HIV. Comprimidos são tomados (PrEP diária e sob demanda) antes da relação sexual, o que permite ao organismo estar preparado para enfrentar um possível contato com o HIV.


    Se você teve uma situação de risco, como sexo desprotegido ou uso compartilhado de seringas, faça o teste de HIV. Se a exposição ocorreu há menos de 72 horas, procure informações sobre a Profilaxia Pós-Exposição ao HIV (PEP).


    VÍDEO: Preconceito e discriminação com quem vive com HIV são obstáculos para uma vida saudável

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    Fonte: g1